segunda-feira, 31 de maio de 2010

No vácuo de mim...

...Eu me despenco.

Abriu a geladeira e pegou uma cerveja – na falta de algo mais forte, provavelmente – e tentou se esquecer. Talvez para lembrar. Talvez para esquecer, sinceramente não sabia mais. Ao passo que mais tentava se distrair lembrava mais, com doçura e ódio. Pensava no verso “que o esforço pra lembrar é a vontade de esquecer” e se doía, não sabendo até onde é fato, até onde é o avesso.
Gostava do efeito do álcool sobre seu corpo. Talvez uma tentativa vã de delícia, no meio de tantos espinhos de lembrança doloridos que em seus poucos anos de vida já estão embutidos. Gostava de se afogar nesse limbo embriagado, sobriedade é viver, pensava.
Foi num espasmo. Sim, como num espasmo de cãibra, como um espasmo de auto-defesa, lembrou-se de quando ele disse “podia ficar aqui horas olhando pra sua cara”; sim, ele disse “pra sua cara”; simples, sem poesia, sincero. E aquela lembrança lhe doeu como algo que não podia comparar, porque nunca tinha sentido uma dor como aquela. Não por ser a mais intensa ou a menos doída, mas simplesmente porque nada tinha doído daquele jeito antes.
Decidiu tomar outro gole para espairecer. Para esquecer. Tentou se lembrar da lua, da beleza da lua e recitou para si mesma alguns trechos de Caio Fernando; Caio Fernando a entendia, a sentia, escrevia para ela, ela tinha certeza.
E leu, e leu, e leu por horas a fio. Chorou, sentiu, sorriu, quem sabe. Esmiuçou uma melhora, mas logo viu, que besteira, logo sentiu; era tudo pensando nele, pra ele e não fugiria da vala tão cedo. Da vala ou do pico do penhasco, como decidir.
E ali ficou, perplexa, pensando no que fazer. Pensando no que sentir. Oh, pensando no que pensar, quanta tolice, minha cara.
O relógio tocou meia noite. Ou talvez onze, ou dez, sua embriaguez não a deixou ver direito, e naquela altura, que valia saber a posição dos ponteiros, se mal sabia sua posição na vida?
Tomou seu comprimido para enxaqueca, gastrite, dor nas costas com o último gole da cerveja que já estava quente, cansada de esperar para ser bebida. E, assim, se deitou. E acordou mais um dia. Mais um dia, pensou, a continuar tentando a espera de um sol mais luminoso.

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